Artur Gomes
A bio.grafia de um poeta Absurdo
:
com os dentes cravados na memória
*
cacomanga
ali nasci
minha infância era só canaviais
ali mesmo aprendi
a conhecer os donos de fazenda
e odiar os generais
poema do livro Suor & Cio
MVPB Edições - 1985
*
Nasci numa madrugada do dia 27 de agosto de 1948 na Fazenda
Santa Maria de Cacomanga, nas proximidades da Tapera, à época mapeada como 1º
Sub-distrito de Campos dos Goytacazes.
Meus pais: Arthur Ribeiro de Abreu, era o administrador da
Fazenda, e a minha mãe: Cinira Gomes, semi/analfabeta cabia a missão de cuidar
da casa e da educação dos filhos. Meu pai era bem humorado e divertido,
responsável pela organização das grandes festas/juninas que aconteciam na
Fazenda. Já minha mãe era rígida e
severa no trato com os filhos.
Tenho cinco irmãos, filhos de pai e mãe: Ana Maria Gomes,
Regina Lucia Gomes, Vicente Rafael Gomes e Ricardo Gomes. Tive dois outros
irmãos filhos do meu pai: Francisco
Antônio Abreu, com quem convivi até o seu falecimento, e Rubens, que não chegamos
a conhecer, pois faleceu com 8 anos de idade, vítima de tétano.
Não cheguei a conhecer meus avós paternos. Mas os maternos
sim: minha avó era chamada de Dona Moça,
e nós a chamávamos de Mãe Dindinha, e meu avô chamava Leandro Gomes, morava
próximo a nossa casa, trabalhava na capina e era fã de uma boa cachacinha.
Tivemos uma convivência
próxima, com vários primos, que moravam na mesma Fazenda Santa Maria de
Cacomanga, filhos da nossa tia Julita, irmã da minha mãe e os sobrinhos filhos
do nosso irmão Francisco.
Até os meus 7 anos minha vida era brincar no quintal de casa,
com bola de gude, futebol com bola de meia, futebol de grama, soltar pipa,
pique/bandeira e pique esconde e amarelinha e como cia tínhamos sempre os
primos e sobrinhos e alguns colegas e amigos de infância moradores próximos da
nossa casa, que fomos aglutinando durante todo o tempo que permaneci morando na
Cacomanga.
Além das atividades brincantes, tínhamos também a ocupação de
varrer o quintal, cuidar dos cães, dos porcos(que o meu pai criava para consumo
da família), cuidar da pequena hora e do
jardim e a partir da minha criação de preá da índia.
Outras atividades costumeira que tínhamos na
infância/adolescência era caçadas, principalmente de preá do mato, e passarinhos, (rolinhas, quero quero,
marreca), além das pescarias de piaba nos rios da Olinda e Ururaí.
Próximo a Cacomanga , além da Tapera, tínhamos também uma convivência com outras localidade como Olinda,
Morro Grande, Lagoa de Cima, Espinho,
Boca do Mato, Ururaí, Lagamar e Ibitioca.
Sempre tive e tenho uma atração pela aterra e pelo fogo,
depois descobri que essa atração é exercida também pelo mar desde que o vi pela primeira
vez em Atafona, lá pelos idos de 1953.
Em 1955 aos 7 anos de botei fogo no paiol de milho do meu pai.
O paiol era uma construção de madeira, o milho seco ali era guardado para
alimentar os porcos. O prédio tinha dois andares, e no térreo era guardada a
palha seca, que era transformada em adubo orgânico. Esta em cia do meu amigo
Ziel, filho de dona Isabel que trabalhava como copeira na casa de Olivier Cruz,
o proprietário da Cacomanga. Quando o fogo levantou e começou a atingir o
segundo andar, apavorado saltei para o abismo secular da poesia.
Ali estudei até 1957 as 3 séries primárias. Lembro-me que havia apenas uma sala, onde se reunia todos os alunos de cada turno, e a nossa professora se chamava Mercedes. Ali tivemos aulas de Matemática, Português, Ciência e Geografia.
Como nessa época ainda morava na Cacomanga fazíamos uma longa caminha para pegar o ônibus na Tapera. Em Campos o ponto do ônibus ficava ao lado do Mercado Municipal, onde hoje é o Camelódromo. Não foram poucas vezes que enfrentávamos bravias tempestades nos trajetos de casa até a Tapera, na ida ou na volta muitas vezes noite já fechada, o que tornava o momento mais dramático.
De 1958 a 1960 meus estudos primários foram complementados no Grupo Escolar XV de Novembro, onde comecei as minhas primeiras incursões pela cidade propriamente dita de Campos dos Goytacazes. O colégio estava instalado em um prédio centenário na Praça da República, próximo a Rodoviária Roberto Silveira. Ali além de estudarmos, português, matemática, ciências, geografia, história e educação física, desfrutávamos de um imenso pátio com chão de barro e imensas mangueiras, onde deitávamos e rolávamos em jogos de bola de gude, peladas de futebol e basquete. Em 1960 fui preparado pela saudosa professora Maria Gomes, para o exame de admissão para a Escola Técnica de Campos, onde ingressei no Ginásio Industrial em 1961.Na ETC cursei o Ginásio Industrial de 1961 a 1964. Ali muitas
mudanças começaram a se metamorfosear, primeiro a chegada da adolescência e
suas implicações, e a diferença tamanha das
Escolas que tinha estudado até então para aquela que agora começava a fazer
parte da minha travessia, principalmente a convivência com os colegas, quase
todos com idade bem maior que a minha. O período de estudos era manhã e tarde,
além das novidades relacionadas ao esporte, integrados a cadeira de educação física, futebol de
grama, basquete e futebol de salão. Além disso, a integração, ainda se dava na
hora do lanche, manhã e tarde, e do almoço. Além da grande novidade: a Banda Marcial,
famosa em toda a cidade pelos seus grandes desfiles no dia 7 de setembro, muitas
vezes, com ensaios pelas ruas da cidade, que começavam em junho. Tínhamos ainda cerradas disputas de tênis de mesa.
Além das matérias normais ao ensino fundamental: português,
matemática, ciências, geografia, história, literatura, nos 2 primeiros anos, passávamos
por Oficinas de Tipografia, Marcenaria, Sapataria, Alfaiataria, Fundição,
Serralharia e Mecânica. No terceiro ano escolhíamos a Oficina que qual gostaríamos
de nos especializar, e sair da ETC depois de concluído o Ginásio com um Ofício.
O Ensino Industrial foi criado em 1909, pelo campista então
Presidente da República Nilo Peçanha. Campos foi a única cidade na época, sem
ser capital a receber uma Escola de Aprendizes Artífices, primeiro nome dado a
então ETC (Escola Técnica de Campos.
A ETC tinha como Diretor o professor Francisco Pandolfo, e
como vive o professor Edmundo Chagas. Dos professores das matérias de humanas,
lembro-me de quase todos e todas: Alice Nogueira(português), Alceste Peres Pia(canto),
Dulce(matemática), Conceição Ferreira(ciências), Dorâmia(geografia), Antônio
Carlos Carvalho(história).
Das Oficinas: Wilson Monteiro, José Leitão, Thierri
Pires(tipografia), Rosalvo, Adalberto, Walter Freitas, (marcenaria), José Cruz,
Salvador Agminal de Sousa, mais conhecido na cidade por sementinha(sapataria)
exímio jogador de sinuca e apostador em corridas de cavalo. Martinho, José Roque(alfaiataria),
Agnelo(Fundição), José Fagundes(Seralharia) e Hélio Freitas(Fundição). Esse
alguns anos depois se tornou Diretor.
Em 1963, quando cheguei ao terceiro ano do Ginásio Industrial, sem nem mesmo até hoje definir o porque, escolhi a Oficina de Tipografia (Artes Gráficas) e acabei me tornando Linotipista. Minha primeira profissão. Mesmo desde os 12 anos ter trabalhando como lavador de peças de automóveis e caminhões na Oficina da Fazenda Cacomanga, para ajudar o meu irmão Francisco.
O nosso relacionamento com os inspetores: Edmundo Chagas, Élcio Peralva e alguns anos depois Eraldo Ferreira, um ex-aluno, que além de inspetor foi também regente da Banda Marcial, foi sempre divertido. Principalmente com Edmundo Chagas, que comandava as chamas para os lanches e o almoço, de uma forma muito particular com alegria imensa pela missão que desempenha. Tanto el como Eraldo, se tornaram nosso companheiros das cervejadas que pelos bares da cidade, a partir do momento em que a cerveja começou a fazer parte dos momentos de prazer e diversão.
*
Durante todo esse período de 1961 a 1964, dentro da ETC pouco se
falava, em política, governos, e questões sociais, não tínhamos informação
alguma além do que nos era passado nas salas de aulas e nas Oficinas. Mas nas aulas de história com o
professor Antônio Carlos Carvalho começamos a perceber eu algumas coisa
estranha estava acontecendo fora da Escola. Ele era uma figura cômica, que chegava
na Escola pedalando, entrava em sala de de aula todos suado, com paletó todo
entanguido de suor, tirava do bolso um lenço mais amassado que o paletó, e
limpava o rosto, enquanto rezava um padre nosso, ritual cumprido sagradamente
todos os dias.
É dele o momento mais hilário que testemunhei na ETC em 1964.
No dia 31 de março ao meio dia, já estávamos na sala, o aguardando para aula de
história, ele chegou da mesma forma como
chegava todos os dias, só que um detalhe nos chamou a atenção de imediato.
Depois de enxugar os rosto suado, com o seu lenço todo
amarrotado, tirou do bolso do paletó um radinho de pilha, ligado enquanto ele
iniciava a aula que era sempre calcada em passagens bíblicas, como ele mesmo
gostava de afirmar.
- “e aí Jesus gritou para a serpente”: “porei inimizade entre
ti e a mulher, a tua descendência e a descendência dela, e um dia haverá um que
te esmagará a cabeça.”
Dito isto colou o ouvido ao radinho de pilha e de repente soltou um grito:
“meus amigos estamos livres do comunismo”! O exército acabara
de consumar o Puta Golpe!